segunda-feira, maio 03, 2010

As férias de juízes e promotores

Embora a Constituição Federal (norma jurídica máxima de um país) nada fale a respeito, juízes e promotores têm férias de 60 dias por ano. Isso porque a Lei Orgânica da Magistratura e a Lei Orgânica do Ministério Público estabelecem esse benefício.

Em 2009, o senador Valter Pereira (PMDB-MS) propôs uma Emenda à Constituição a fim de nela incluir os 60 dias de férias. Trata-se de uma forma de assegurar de forma definitiva tal regra. Em contrapartida, o senador Suplicy (PT-SP) não só manifestou-se contrário à ideia como propôs a modificação das referidas Leis Orgânicas para reduzir para 30 dias as férias de juízes e promotores.

De minha parte, preferia que os 60 dias fossem concedidos a todos os trabalhadores brasileiros. Na França é quase assim. Mas como isso parece que vai demorar a aconceter por aqui, por enquanto fico com a proposta que reduz as férias dos juízes e promotores, pois pelo menos igualaria Suas Excelências ao resto do povo. Ao menos neste ponto.

quarta-feira, abril 07, 2010

No consultório médico

Só quando olhei a receita é que descobri o nome do médico. Jesus. Não me lembro do resto, só do prenome. Eu sempre achei interessante as pessoas se chamarem assim. Me faz pensar se os seus desafetos sentem algum tipo de constrangimento ao praguejar contra elas, se se sentem pecadores ou coisa parecida. Pode ser engraçado também. Imagine se o porteiro se chamasse assim e alguém perguntasse ‘como você entrou?’ e a pessoa respondesse ‘Jesus me abriu as portas’ ou ‘Jesus me ajudou’.
Eu disse que estava com o ouvido tapado. Ele meteu o otoscópio no meu ouvido e me prescreveu um remédio para desfazer a cera que constatara ser a causa do problema. A consulta foi só isso. Se eu tivesse falado sobre a dor e o sangramento talvez a prescrição fosse outra. Mas eu não falei. Relatei o principal e deixei a ele a iniciativa de perquirir sobre demais sintomas que julgasse relevantes. Até porque a dor era muito pouca e o sangramento eu supunha ser da orelha, de um arranhão que eu mesmo teria feito quando me cutucava. Finalmente, ele estava analisando meu ouvido e poderia ver pessoalmente se tinha algo de anormal. Mas ele não perguntou e parece que nada encontrou. Isso foi de manhã e à noite eu estava novamente no atendimento médico, pois meu estado se agravara para uma dolorosa inflamação.
Eu nunca havia tido problema de ouvido e estava preocupadíssimo. Ponderava: ‘este é um órgão minúsculo e delicado; não precisará muita coisa para algo grave acontecer’. Pensei que corria sério risco de ficar surdo. A enfermeira me disse que infecções desse tipo eram comuns. Sobre o sangramento, ela me explicou que poderia ser rompimento do tímpano, mas que isso é reversível e só se torna grave nos casos de repetidos rompimentos.
A médica que me atendeu era uma mulher sem graça e seu ar era de extrema impaciência. Resumi-lhe o histórico da doença: quais e quando surgiram os primeiros sintomas; falei sobre o primeiro atendimento, o diagnóstico e a prescrição médica e, finalmente, sobre o agravamento que me trouxera até ela. Fui suficientemente claro mas, mesmo assim, ela me pediu para esclarecer a ordem dos acontecimentos(!). Por seu tom hostil, eu desconfiei sobre o julgamento que ela fazia do caso. Pareceu-me que para ela, um hospital era lugar para vítimas de fatalidades invencíveis. Ou seja, basta um mínimo de bom senso e informação para uma pessoa saber se precaver da quase totalidade das doenças ou acidentes e, quando tais ocorressem, conseguir por si mesma remediar a situação. Sendo assim, um médico deveria ser acionado somente quando esses cuidados, diga-se de passagem, elementares, fossem insuficientes. Por tal motivo, pessoas como eu não passavam de inéptos responsáveis pela superlotação do serviço. Ou talvez essa irritação toda fosse com o médico, por ainda não ter aprendido que é a ignorância e não a doença que lota as salas de espera; por não ser capaz de fazer as perguntas necessárias a remediar a estupidez de pacientes que sequer sabem relatar os sintomas de suas doenças. O fato é que, para ela, eu só estava ali porque alguém, eu ou o médico, havia feito algo errado de manhã.
Ela foi enérgica ao puxar minha orelha para abrir espaço para seu otoscópio. Disse-me que não havia cera nenhuma – e aqui eu já senti sua censura ao médico - . O caso era de infecção. ‘Aliás’, ela acrescentou, ‘uma bela infecção’. Receitou-me antibióticos e me mandou suspender a medicação anterior. Não me falou mais nada. O sangramento e a explicação da enfermeira estavam na minha cabeça. Eu precisava saber algo sobre meu tímpano e lhe perguntei educadamente:
- Doutora, eu tive sangramento. A senhora encontrou alguma lesão no meu ouvido?
- Não.
Era sempre assim. Parcos exames, poucas explicações. Como naquele dia eu já tinha sofrido um erro médico, queria me assegurar sobre o estado de meu tímpano e por isso insisti.
- A senhora poderia olhar mais uma vez, pois estou preocupado.
- Não há lesão nenhuma, apenas infeccção. Seu ouvido só está inchado porque ela demorou para ser tratada. Se você tivesse falado pro médico sobre a dor, ele poderia ter constatado isso. Também não sei onde ele viu cera em seu ouvido. Aliás, como chama o médico que te atendeu de manhã?
Percebendo a intransigência daquela mulher, notei que a coisa poderia ficar tensa caso eu revidasse sua impertinência. Por isso, tentei mais uma vez a solução pacífica e simplesmente respondi à sua pergunta.
- Jesus.
Daí aconteceu algo estranho. Não sei se ela descobriu que acabara de condenar um amigo ou alguém importante, ou se era uma questão religiosa, ou se ela achou que eu estivesse acintosamente me referindo ao Messias, insinuando que se até mesmo Ele falhara ela também poderia estar errando. Ela me olhou entre olhos apertados por um instante e, logo após, em silêncio e já numa atitude muito mais amistosa, examinou delicadamente meu ouvido e repetiu em voz leve, mais conformada do que gentil, o diagnóstico anterior: nenhuma lesão.
E foi assim que mais uma vez o nome de Jesus levou conforto a uma alma sofredora.