No
terraço havia um desses bancos de praça, sem encosto, só assento,
e ela estava quase na ponta. Do nada, ele simplesmente sentou-se no
que restava de banco, não exatamente do lado; um pouco atrás, o que
forçou a moça a virar-se para poder vê-lo enquanto respondia a
pergunta. Não parecia incomodada. Seu gesto estava mais para
aprovação da ousadia de seu novo companheiro de banco.
-
Maria.
Apenas
um palpite. Foi isso que o fez desconfiar da resposta. Mas como
valoriza muito esse negócio de intuição, resolveu apostar nisso e
'entrou no jogo'.
-
Eu sou o João.
E
aquele risinho contido, colorido de batom, tinha cara de 'a senha
está correta. Pode entrar'.
-
Muito prazer, Jo-ão – ela disse assim, de forma cadenciada, pra
confirmar que falavam a mesma língua.
Começaram
o papo com banalidades. De tempero, trocavam ironias e outros códigos
secretos. Foi o suficiente pra perceber que era uma moça culta.
Talvez ele tivesse causado impressão diversa, pois tão logo deu o
último trago, Maria disse:
-
Vou voltar lá pra dentro, João.
-
fica mais.
-
não, João. Eu só vim fumar.
-
só mais um minuto. Quem sabe você não acaba se convencendo de que
o terraço é mais interessante que a pista.
-
duvido. Essa banda é muito boa.
-
já vi que você é uma mulher inteligente. Deve apreciar uma boa
conversa. Lá dentro o som alto não favorece. Aqui é mais fácil
encontrar bom papo.
É
lógico que ela sabia que o verdadeiro recado estava nas entrelinhas
e significava 'fique aqui e converse comigo'. Mas, com a mesma
sutileza, ela preferiu desafiá-lo. Ou, mais provavelmente,
contestá-lo mesmo.
-
será?
Maria
era jogo duro!
-
olha, o meu acervo é do tipo enciclopédico; conheço um pouco de
cada coisa. Provavelmente poderemos encontrar algo que desperte
curiosidade. Ou, pelo menos, motivo para algumas risadas.
Ela
desfez a menção de levantar-se. Colocou a bolsa no banco e disse:
-
surpreenda-me.
Um
movimento errado e o rei cairia, ele pensou. Sabia que era hora de
usar o melhor e tentou fazer isso. Porém, como parte de sua
estratégia, disfarçou naturalidade.
-
muito bom o seu perfume.
-
o seu também.
-
peônia no coração, base de vetive. Se eu tivesse que advinhar
diria que tem
bergamota
na abertura. E se
neste momento eu estivesse escolhendo um vinho pra gente, pediria um
Château
Margaux: taninos
densos, cor profunda, aroma
complexo.
Ela
ficou em silêncio por alguns segundos, com um ar muito sério. Ele
pensou que tivesse impressionado mas a moça começou a rir. Quando
parou, tocou-lhe levemente o lábio com o indicador, como quem pede
silêncio, e disse.
-
meu perfume não tem bergamota e a base é de cedro. E o Château,
João, é um vinho branco!
Então
riram.
-
mas tenho que confessar, João: sua tentativa foi genial! Se toda
trapaça tivesse o charme e a sofisticação da sua, as noites seriam
muito mais divertidas. Agora vou lá pra dentro mesmo. Prazer em
conhecê-lo.
Ela
já tinha se afastado alguns passos quando ele gritou:
-
Maria!
A
moça virou pra trás e ele perguntou:
-
qual seu nome?
-
luciana –
e voltou
a caminhar em direção à pista.
Jean
sorriu e foi buscar outra bebida.