sábado, julho 13, 2013

trapaceiros

No terraço havia um desses bancos de praça, sem encosto, só assento, e ela estava quase na ponta. Do nada, ele simplesmente sentou-se no que restava de banco, não exatamente do lado; um pouco atrás, o que forçou a moça a virar-se para poder vê-lo enquanto respondia a pergunta. Não parecia incomodada. Seu gesto estava mais para aprovação da ousadia de seu novo companheiro de banco.
- Maria.

Apenas um palpite. Foi isso que o fez desconfiar da resposta. Mas como valoriza muito esse negócio de intuição, resolveu apostar nisso e 'entrou no jogo'.
- Eu sou o João.

E aquele risinho contido, colorido de batom, tinha cara de 'a senha está correta. Pode entrar'.
- Muito prazer, Jo-ão – ela disse assim, de forma cadenciada, pra confirmar que falavam a mesma língua.

Começaram o papo com banalidades. De tempero, trocavam ironias e outros códigos secretos. Foi o suficiente pra perceber que era uma moça culta. Talvez ele tivesse causado impressão diversa, pois tão logo deu o último trago, Maria disse:
- Vou voltar lá pra dentro, João.
- fica mais.
- não, João. Eu só vim fumar.
- só mais um minuto. Quem sabe você não acaba se convencendo de que o terraço é mais interessante que a pista.
- duvido. Essa banda é muito boa.
- já vi que você é uma mulher inteligente. Deve apreciar uma boa conversa. Lá dentro o som alto não favorece. Aqui é mais fácil encontrar bom papo.

É lógico que ela sabia que o verdadeiro recado estava nas entrelinhas e significava 'fique aqui e converse comigo'. Mas, com a mesma sutileza, ela preferiu desafiá-lo. Ou, mais provavelmente, contestá-lo mesmo.
- será?
Maria era jogo duro!

- olha, o meu acervo é do tipo enciclopédico; conheço um pouco de cada coisa. Provavelmente poderemos encontrar algo que desperte curiosidade. Ou, pelo menos, motivo para algumas risadas.

Ela desfez a menção de levantar-se. Colocou a bolsa no banco e disse:
- surpreenda-me.

Um movimento errado e o rei cairia, ele pensou. Sabia que era hora de usar o melhor e tentou fazer isso. Porém, como parte de sua estratégia, disfarçou naturalidade.
- muito bom o seu perfume.
- o seu também.
- peônia no coração, base de vetive. Se eu tivesse que advinhar diria que tem bergamota na abertura. E se neste momento eu estivesse escolhendo um vinho pra gente, pediria um Château Margaux: taninos densos, cor profunda, aroma complexo.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos, com um ar muito sério. Ele pensou que tivesse impressionado mas a moça começou a rir. Quando parou, tocou-lhe levemente o lábio com o indicador, como quem pede silêncio, e disse.
- meu perfume não tem bergamota e a base é de cedro. E o Château, João, é um vinho branco!

Então riram.
- mas tenho que confessar, João: sua tentativa foi genial! Se toda trapaça tivesse o charme e a sofisticação da sua, as noites seriam muito mais divertidas. Agora vou lá pra dentro mesmo. Prazer em conhecê-lo.

Ela já tinha se afastado alguns passos quando ele gritou:
- Maria!
A moça virou pra trás e ele perguntou:
- qual seu nome?
- luciana – e voltou a caminhar em direção à pista.
Jean sorriu e foi buscar outra bebida.