Pula Catraca é um movimento popular de contestação ao reajuste da tarifa de ônibus urbano que foi autorizada no apagar das luzes do Governo 2009/2012 em Piracicaba/SP. Consiste em manifestações de rua que vêm sendo realizadas desde o primeiro sábado de 2013.
Sobre ele, Romualdo Cruz Filho escreveu uma crítica no seguinte site ( http://www.viletim.com.br/capa.asp?idpagina=6226&confirma=1 ) e, para expor minha opinião, que é contrária à dele, escrevi o texto que segue, utilizando, na maior parte do tempo, palavras do original, em sua forma antônima, uma maneira de revelar o poder da linguagem. É o que segue.
Em artigo que um dia eu
talvez escreva, gostaria de tratar do caráter dinâmico,
transcendental e dialético da democracia. Dinâmico, porque a
democracia de hoje não é a mesma de ontem e tende não ser a de
amanhã. Transcendental, porque nessa evolução, ultrapassa as
definições que lhe são dadas por legisladores e cientistas e
dialética porque sua história é feita pelo embate de forças
humanas, jurídicas, econômicas, naturais, etc. Afinal, o que é
democracia e, em especial, a sua variante representativa? Mais do que
isso, por que essas indagações soam tão atuais em um tema tão
antigo?
Somado a isso,
hodiernamente também se nota um apego exacerbado não ao conteúdo,
à matéria de fundo, mas sim, a questões formais, tais quais
afirmações do tipo 'somos seus representantes', 'o procedimento é
este', 'a lei determina isso'. Não se apela aqui à subversão, à
total desconsideração de autoridades, leis e procedimentos. A
verdadeira indagação é: esses instrumentos inegavelmente
democráticos são suficientes para solucionar todos os problemas
mesmo da mais democrática das sociedades? Se nosso berço como
sociedade, a Grécia Clássica, tivesse dito sim a essa indagação,
hoje mulheres, escravos e mesmo comerciantes não seriam considerados
cidadãos. Devagar eu explico.
De repente (e quão
apropriada é esta expressão no caso), no ocaso dos quatro anos de
seu mandato, o governo autoriza um aumento que, direta ou
indiretamente, atinge todos os cidadãos que se propõe a transitar
pelas ruas da cidade. São no máximo 20 pessoas os previsíveis
participantes do colóquio que antecedeu o ato. Seu objetivo, segundo
as poucas 'explicações', é recompor o equilíbrio econômico da
concessionária, inclusive para lhe permitir repor e incrementar a
frota do transporte coletivo, que nenhum deles usa, mas são
peremptórios em negar a acusação de caos.
A surpresa desencadeia
reação popular nas ruas, organizada principalmente pela internet. O
chamado não oferece recompensa, tampouco impõe sanções a seu
descumprimento. Ali, ninguém é empregado nem tem que obedecer a
ordem de quem quer que seja. Evidentemente, em ambiente de 'vai quem
quer', o espaço está aberto para todo tipo de gente e de intenções,
sejam pessoas diretamente atingidas pela medida, sejam idealistas,
sejam oportunistas.
O pêndulo da dialética
democrática retorna para o lado dos 20, indicando sua vez de falar.
O discurso, e isso não é novidade, limita-se ao formalismo.
Questiona o local do embate e os próprios combatentes. E só.
Com uma leitura um
pouco mais apurada, percebemos que a questão do ônibus não é um
elemento isolado na vida da sociedade. Ao contrário, permeia todos
os outros. Ou um transporte público eficiente e acessível, que,
estimulando seu uso reduz o trânsito, os acidentes, a poluição
(pra ficar só nos exemplos mais imediatos), não diminui os
problemas com saúde, infraestrutura e meio ambiente? Logo, os
usuários de ônibus podem ser os interessados mais diretos, porém
todos os munícipes estão ligados nessa rede, até mesmo aqueles que
preferem um trânsito mais enxuto e rápido simplesmente para passear
com seu carro importado.
Assim, colocada em
pauta uma questão, ela tende a formar, no mínimo, dois grupos, os
contrários e os favoráveis. Coloquem uma segunda e outros grupos
serão formados, não necessariamente com a escalação anterior. Se
Paiva e de Chico Almeida, ambos do PT, hoje estão na praça com
militantes do PCO e do Reaja Piracicaba, todos contrários a uma
decisão tucana, é preciso lembrar que o reajuste salarial dos
vereadores formou bloco multicolorido que incluia o vermelho e o
azul. Uma vez vi na TV um político dizer que a política é a
atividade do dia após dia. Piracicaba parece não fugir a essa
regra.
Portanto, a menos que
outra nota seja incluída na crítica, parece precipitado falar de
oportunismo pela simples presença de fulano, cliclano ou beltrano.
É, como já disse adiante, tomar a forma pelo fundo.
De outro lado, por que
esse embate é travado na praça quando existem gabinetes e
parlamentos que, numa democracia, mais rapidamente traduziriam a
ideia de arena política? Haveria algo de errado em nossa estrutura
de poder que excluiria a grande massa da sociedade e transformaria a
representação pública em uma aristocracia composta por
representantes de si mesmos? Que perigo seria este? Essa é outra
indagação, também formal, que logo foi lançada. Porém, mais uma
vez, lançada quando ocorreu a reação (protestos), não quando
ocorreu a ação (o aumento). Não são também democráticos os
instrumentos de plebiscito, referendo e audiência pública?
Uma possível
explicação é que, como não se importam mais com a população, os
vereadores têm pouca disposição para com ela dialogar. Como as
necessidades da cidade são suplantadas por interesses particulares,
o prefeito têm pouca disposição para exercer seu dever de zelar
pelo interesse público. Generalizam tudo e embrulham no pacote da
desinformação. Então, atacam a manifestação pública em si e
usam recursos públicos para 'irem levando', na tentativa de
vencê-la, ora pelo esgotamento, ora pela repressão direta, seja
ostensiva ou disfarçada.
No que vai dar isso? Se
a falta de juízo predominar, as aventuras de uma política tacanha,
urgente para o 'equilíbrio' econômico das empresas, mas displicente
para com os graves e difusos problemas derivados do caos no trânsito,
poderão sempre ser barradas pela polícia, que tem como obrigação
legal manter a ordem e preservar o patrimônio público. Mas haverá
polícia suficiente para os subprodutos ambientais, econômicos e
humanos nascidos dessa opção?
O fato é que os canais
de diálogo tanto na Câmara dos Vereadores como na Prefeitura não
seriam recusados por essa moçada, caso tais recintos também fossem
escolhidos pelos políticos que, nesses momentos, preferem se reunir
em ambientes herméticos. O problema é que a causa é artificial, já
que os políticos não representam a sociedade.
Concessionárias, nessa
hora, estão mais preocupados em tocar seus ganhos para cima. Afinal
de contas, depois de dois anos sem reajuste, não havia dúvida de
que o reajuste da tarifa seria pleiteado. Mesmo assim, um cálculo
simples demonstraria que a maioria dos munícipes está sendo afetado
diretamente com o reajuste, porque além do público que usa o
sistema, há, como eu já disse, uma tempestade de problemas que
dessa espessa nuvem despenca sobre toda a cidade.
Claro que isso
desaconselha a subida. E bem que haveria outra forma de repassar os
custos em uma parceira público-privada. As saídas vão de subsidiar a passagem a estatizar o serviço. Afinal, se saúde, educação e
segurança, serviços públicos que são, podem ser prestados
gratuitamente, por que não o transporte, serviço público que
também é? As economias com saúde, infraestrutura, meio ambiente e
etc poderiam custear tudo isso e o que faltasse, bem, aí é hora de
esse governo mostrar capacidade e criatividade para revelar a que
veio.
A não ser que se
queira fazer jogo político para empresário. E quem está fazendo
esse jogo? Claro, a turma dos 20: governo, empresários, alguns
setores da imprensa. Em síntese, certos discursos que nos chegam vêm
das mãos de políticos espertos que sabem (ou acham que sabem) muito
bem manipular a ingenuidade alheia, na tentativa, não raro
aviltante, de obnubilar o óbvio.
Só que há uma
diferença fundamental: vivemos em uma democracia, insculpida na
nossa Constituição sem adjetivos mitigadores, vale dizer, onde o
poder é sim exercido, na maior parte do tempo, por representantes
eleitos pelo volto direto, porém, emana do povo e em seu favor deve
ser utilizado e, em alguns momentos, é diretamente por ele exercido,
não só em eleições, mas também em audiências públicas,
plebiscitos e referendos. O povo está à espera de pessoas capazes
de dialogar e dispostas a contribuir e aprender para que o sistema
representativo se expanda e se fortaleça. A sociedade não pede o
fim dos políticos. Anseia apenas por políticos que honrem seus
mandatos. E enquanto tais não aparecerem, utilizará dos meios
legítimos que, disciplinados ou não em leis, em toda a história da
Humanidade contribuiu para o aperfeiçoamento da democracia. Ou não?