quinta-feira, janeiro 24, 2013

Pula Catraca e suas interpretações

Pula Catraca é um movimento popular de contestação ao reajuste da tarifa de ônibus urbano que foi autorizada no apagar das luzes do Governo 2009/2012 em Piracicaba/SP. Consiste em manifestações de rua que vêm sendo realizadas desde o primeiro sábado de 2013. 

Sobre ele, Romualdo Cruz Filho escreveu uma crítica no seguinte site ( http://www.viletim.com.br/capa.asp?idpagina=6226&confirma=1 ) e, para expor minha opinião, que é contrária à dele, escrevi o texto que segue, utilizando, na maior parte do tempo, palavras do original, em sua forma antônima, uma maneira de revelar o poder da linguagem. É o que segue.


Em artigo que um dia eu talvez escreva, gostaria de tratar do caráter dinâmico, transcendental e dialético da democracia. Dinâmico, porque a democracia de hoje não é a mesma de ontem e tende não ser a de amanhã. Transcendental, porque nessa evolução, ultrapassa as definições que lhe são dadas por legisladores e cientistas e dialética porque sua história é feita pelo embate de forças humanas, jurídicas, econômicas, naturais, etc. Afinal, o que é democracia e, em especial, a sua variante representativa? Mais do que isso, por que essas indagações soam tão atuais em um tema tão antigo?

Somado a isso, hodiernamente também se nota um apego exacerbado não ao conteúdo, à matéria de fundo, mas sim, a questões formais, tais quais afirmações do tipo 'somos seus representantes', 'o procedimento é este', 'a lei determina isso'. Não se apela aqui à subversão, à total desconsideração de autoridades, leis e procedimentos. A verdadeira indagação é: esses instrumentos inegavelmente democráticos são suficientes para solucionar todos os problemas mesmo da mais democrática das sociedades? Se nosso berço como sociedade, a Grécia Clássica, tivesse dito sim a essa indagação, hoje mulheres, escravos e mesmo comerciantes não seriam considerados cidadãos. Devagar eu explico.
De repente (e quão apropriada é esta expressão no caso), no ocaso dos quatro anos de seu mandato, o governo autoriza um aumento que, direta ou indiretamente, atinge todos os cidadãos que se propõe a transitar pelas ruas da cidade. São no máximo 20 pessoas os previsíveis participantes do colóquio que antecedeu o ato. Seu objetivo, segundo as poucas 'explicações', é recompor o equilíbrio econômico da concessionária, inclusive para lhe permitir repor e incrementar a frota do transporte coletivo, que nenhum deles usa, mas são peremptórios em negar a acusação de caos.
A surpresa desencadeia reação popular nas ruas, organizada principalmente pela internet. O chamado não oferece recompensa, tampouco impõe sanções a seu descumprimento. Ali, ninguém é empregado nem tem que obedecer a ordem de quem quer que seja. Evidentemente, em ambiente de 'vai quem quer', o espaço está aberto para todo tipo de gente e de intenções, sejam pessoas diretamente atingidas pela medida, sejam idealistas, sejam oportunistas.

O pêndulo da dialética democrática retorna para o lado dos 20, indicando sua vez de falar. O discurso, e isso não é novidade, limita-se ao formalismo. Questiona o local do embate e os próprios combatentes. E só.

Com uma leitura um pouco mais apurada, percebemos que a questão do ônibus não é um elemento isolado na vida da sociedade. Ao contrário, permeia todos os outros. Ou um transporte público eficiente e acessível, que, estimulando seu uso reduz o trânsito, os acidentes, a poluição (pra ficar só nos exemplos mais imediatos), não diminui os problemas com saúde, infraestrutura e meio ambiente? Logo, os usuários de ônibus podem ser os interessados mais diretos, porém todos os munícipes estão ligados nessa rede, até mesmo aqueles que preferem um trânsito mais enxuto e rápido simplesmente para passear com seu carro importado.

Assim, colocada em pauta uma questão, ela tende a formar, no mínimo, dois grupos, os contrários e os favoráveis. Coloquem uma segunda e outros grupos serão formados, não necessariamente com a escalação anterior. Se Paiva e de Chico Almeida, ambos do PT, hoje estão na praça com militantes do PCO e do Reaja Piracicaba, todos contrários a uma decisão tucana, é preciso lembrar que o reajuste salarial dos vereadores formou bloco multicolorido que incluia o vermelho e o azul. Uma vez vi na TV um político dizer que a política é a atividade do dia após dia. Piracicaba parece não fugir a essa regra.

Portanto, a menos que outra nota seja incluída na crítica, parece precipitado falar de oportunismo pela simples presença de fulano, cliclano ou beltrano. É, como já disse adiante, tomar a forma pelo fundo.

De outro lado, por que esse embate é travado na praça quando existem gabinetes e parlamentos que, numa democracia, mais rapidamente traduziriam a ideia de arena política? Haveria algo de errado em nossa estrutura de poder que excluiria a grande massa da sociedade e transformaria a representação pública em uma aristocracia composta por representantes de si mesmos? Que perigo seria este? Essa é outra indagação, também formal, que logo foi lançada. Porém, mais uma vez, lançada quando ocorreu a reação (protestos), não quando ocorreu a ação (o aumento). Não são também democráticos os instrumentos de plebiscito, referendo e audiência pública?

Uma possível explicação é que, como não se importam mais com a população, os vereadores têm pouca disposição para com ela dialogar. Como as necessidades da cidade são suplantadas por interesses particulares, o prefeito têm pouca disposição para exercer seu dever de zelar pelo interesse público. Generalizam tudo e embrulham no pacote da desinformação. Então, atacam a manifestação pública em si e usam recursos públicos para 'irem levando', na tentativa de vencê-la, ora pelo esgotamento, ora pela repressão direta, seja ostensiva ou disfarçada.

No que vai dar isso? Se a falta de juízo predominar, as aventuras de uma política tacanha, urgente para o 'equilíbrio' econômico das empresas, mas displicente para com os graves e difusos problemas derivados do caos no trânsito, poderão sempre ser barradas pela polícia, que tem como obrigação legal manter a ordem e preservar o patrimônio público. Mas haverá polícia suficiente para os subprodutos ambientais, econômicos e humanos nascidos dessa opção?

O fato é que os canais de diálogo tanto na Câmara dos Vereadores como na Prefeitura não seriam recusados por essa moçada, caso tais recintos também fossem escolhidos pelos políticos que, nesses momentos, preferem se reunir em ambientes herméticos. O problema é que a causa é artificial, já que os políticos não representam a sociedade.

Concessionárias, nessa hora, estão mais preocupados em tocar seus ganhos para cima. Afinal de contas, depois de dois anos sem reajuste, não havia dúvida de que o reajuste da tarifa seria pleiteado. Mesmo assim, um cálculo simples demonstraria que a maioria dos munícipes está sendo afetado diretamente com o reajuste, porque além do público que usa o sistema, há, como eu já disse, uma tempestade de problemas que dessa espessa nuvem despenca sobre toda a cidade.

Claro que isso desaconselha a subida. E bem que haveria outra forma de repassar os custos em uma parceira público-privada. As saídas vão de  subsidiar a passagem a estatizar o serviço. Afinal, se saúde, educação e segurança, serviços públicos que são, podem ser prestados gratuitamente, por que não o transporte, serviço público que também é? As economias com saúde, infraestrutura, meio ambiente e etc poderiam custear tudo isso e o que faltasse, bem, aí é hora de esse governo mostrar capacidade e criatividade para revelar a que veio.

A não ser que se queira fazer jogo político para empresário. E quem está fazendo esse jogo? Claro, a turma dos 20: governo, empresários, alguns setores da imprensa. Em síntese, certos discursos que nos chegam vêm das mãos de políticos espertos que sabem (ou acham que sabem) muito bem manipular a ingenuidade alheia, na tentativa, não raro aviltante, de obnubilar o óbvio.


Só que há uma diferença fundamental: vivemos em uma democracia, insculpida na nossa Constituição sem adjetivos mitigadores, vale dizer, onde o poder é sim exercido, na maior parte do tempo, por representantes eleitos pelo volto direto, porém, emana do povo e em seu favor deve ser utilizado e, em alguns momentos, é diretamente por ele exercido, não só em eleições, mas também em audiências públicas, plebiscitos e referendos. O povo está à espera de pessoas capazes de dialogar e dispostas a contribuir e aprender para que o sistema representativo se expanda e se fortaleça. A sociedade não pede o fim dos políticos. Anseia apenas por políticos que honrem seus mandatos. E enquanto tais não aparecerem, utilizará dos meios legítimos que, disciplinados ou não em leis, em toda a história da Humanidade contribuiu para o aperfeiçoamento da democracia. Ou não?