Chama
atenção a capacidade que algumas pessoas na Câmara Municipal de
Piracicaba têm de se envolver em problemas com a Justiça e com o
Ministério Público. No episódio mais recente, alguns vereadores
alegam que foram vítimas de ofensas pessoais praticadas na imprensa
e na internet por munícipes e, representados por advogados do
Legislativo, estão processando os supostos agressores. A Promotoria
de Justiça, entretanto, entende que cada vereador deveria contratar
e pagar seu próprio advogado, já que os advogados da Câmara somente podem
defender os direitos da Câmara e são proibidos de defender interesses
das pessoas que ali trabalham, sejam funcionários ou vereadores.
Segundo o MP, o uso indevido de advogados caracterizaria improbidade
administrativa.
Em defesa
dos vereadores, o diretor jurídico da Câmara alega que as ofensas
foram feitas em razão do cargo exercido pelos vereadores, o que
legitimaria o uso da máquina pública nos processos. Entretanto,
tudo indica que esse pensamento não é válido. Aqui será citado
apenas um ponto.
Pelas
regras do Código Penal, existem três tipos básicos de ação
penal:
1) ação
penal pública incondicionada: é aplicável a quase todos os crimes,
tendo em vista o prejuízo que o crime representa para toda a
sociedade. Ela é movida pelo Ministério Público e tem início com
uma peça processual chamada denúncia.
2) ação
penal pública condicionada: em tudo semelhante à primeira. A única
diferença é que o Ministério Público somente pode iniciar o
processo se receber uma representação, ou seja, um
pedido da vítima. Funciona assim levando em conta que o processo em
si pode gerar à vítima desgastes de tal porte que, às vezes, é
preferível evitá-lo. Há, portanto, um balanceamento entre o
interesse da sociedade e o da vítima. Mas é preciso lembrar que a
representação da vítima não é suficiente para que o processo se
inicie, pois é o MP que vai decidir se as alegações e as provas
justificam a medida.
3) ação
penal privada: é uma versão extrema do segundo caso. Ou seja, a
ideia é preservar ainda mais a vítima dos transtornos do processo.
Aqui, se a vítima decidir processar seu agressor, deve contratar
advogado para fazer isso. O Ministério Público não pode mover o
processo.
Caso
típico de ação penal privada é o dos crimes de calúnia,
difamação e injúria, que estão previstos no Código Penal, no
capítulo que trata dos crimes contra a honra (arts. 138 a 145). O
artigo 145 estabelece que esses crimes são, em regra, de ação
penal privada, ou seja, o criminoso somente pode ser processado por
sua vítima. Mas esse mesmo artigo prevê exceções e uma delas é a
hipótese de o crime ser praticado contra funcionário público em
razão de suas funções, caso em que a ação será pública
condicionada, ou, como visto acima, será movida pelo Ministério
Público mediante representação da vítima.
Voltando
ao que está acontecendo na Câmara, se os vereadores foram ofendidos
em razão das funções que exercem, a única ação penal cabível é
a pública condicionada (número
2). Assim, o caminho correto é fazer uma representação
ao Ministério Público e este, encontrando na representação
razões para o processo, promover a ação. Logo, todas as ações
movidas pelos vereadores são nulas e devem ser arquivadas.
Os
vereadores somente poderiam mover ações penais se as ofensas fossem
pessoais e não estivessem relacionadas às suas funções. Porém,
tratando-se de um interesse estritamente particular, obviamente não
poderiam usar recursos públicos para protegê-los. Sendo assim, faz
todo sentido a afirmação do Ministério Público, de que os edis
praticaram improbidade administrativa.