sexta-feira, agosto 16, 2013

crimes contra honra x improbidade administrativa


Chama atenção a capacidade que algumas pessoas na Câmara Municipal de Piracicaba têm de se envolver em problemas com a Justiça e com o Ministério Público. No episódio mais recente, alguns vereadores alegam que foram vítimas de ofensas pessoais praticadas na imprensa e na internet por munícipes e, representados por advogados do Legislativo, estão processando os supostos agressores. A Promotoria de Justiça, entretanto, entende que cada vereador deveria contratar e pagar seu próprio advogado, já que os advogados da Câmara somente podem defender os direitos da Câmara e são proibidos de defender interesses das pessoas que ali trabalham, sejam funcionários ou vereadores. Segundo o MP, o uso indevido de advogados caracterizaria improbidade administrativa.

Em defesa dos vereadores, o diretor jurídico da Câmara alega que as ofensas foram feitas em razão do cargo exercido pelos vereadores, o que legitimaria o uso da máquina pública nos processos. Entretanto, tudo indica que esse pensamento não é válido. Aqui será citado apenas um ponto.

Pelas regras do Código Penal, existem três tipos básicos de ação penal:

1) ação penal pública incondicionada: é aplicável a quase todos os crimes, tendo em vista o prejuízo que o crime representa para toda a sociedade. Ela é movida pelo Ministério Público e tem início com uma peça processual chamada denúncia.

2) ação penal pública condicionada: em tudo semelhante à primeira. A única diferença é que o Ministério Público somente pode iniciar o processo se receber uma representação, ou seja, um pedido da vítima. Funciona assim levando em conta que o processo em si pode gerar à vítima desgastes de tal porte que, às vezes, é preferível evitá-lo. Há, portanto, um balanceamento entre o interesse da sociedade e o da vítima. Mas é preciso lembrar que a representação da vítima não é suficiente para que o processo se inicie, pois é o MP que vai decidir se as alegações e as provas justificam a medida.

3) ação penal privada: é uma versão extrema do segundo caso. Ou seja, a ideia é preservar ainda mais a vítima dos transtornos do processo. Aqui, se a vítima decidir processar seu agressor, deve contratar advogado para fazer isso. O Ministério Público não pode mover o processo.

Caso típico de ação penal privada é o dos crimes de calúnia, difamação e injúria, que estão previstos no Código Penal, no capítulo que trata dos crimes contra a honra (arts. 138 a 145). O artigo 145 estabelece que esses crimes são, em regra, de ação penal privada, ou seja, o criminoso somente pode ser processado por sua vítima. Mas esse mesmo artigo prevê exceções e uma delas é a hipótese de o crime ser praticado contra funcionário público em razão de suas funções, caso em que a ação será pública condicionada, ou, como visto acima, será movida pelo Ministério Público mediante representação da vítima.

Voltando ao que está acontecendo na Câmara, se os vereadores foram ofendidos em razão das funções que exercem, a única ação penal cabível é a pública condicionada (número 2). Assim, o caminho correto é fazer uma representação ao Ministério Público e este, encontrando na representação razões para o processo, promover a ação. Logo, todas as ações movidas pelos vereadores são nulas e devem ser arquivadas.


Os vereadores somente poderiam mover ações penais se as ofensas fossem pessoais e não estivessem relacionadas às suas funções. Porém, tratando-se de um interesse estritamente particular, obviamente não poderiam usar recursos públicos para protegê-los. Sendo assim, faz todo sentido a afirmação do Ministério Público, de que os edis praticaram improbidade administrativa.