Naquela
família viviam todos sob o sustento do pai, um operário aposentado.
Um sujeito de infância pobre e difícil, que muito cedo se tornara
órfão do pai, soldado de Franco que a Guerra Civil levara, e um
oceano afastado da mãe, que deixara a vida camponesa em terra natal
em troca de trabalho doméstico no Brasil. Assim foi – ou não foi
– filho, assim se tornou pai.
O
universo daquela casa tinha algumas regras que lhe eram próprias e
uma delas ditava que pão se comia com queijo. O mais convicto da
importância dessa dieta era o próprio pai, que considerando-a
imposição de seu papel de provedor, era muito diligente na sua
manutenção.
O filho
mais velho era o primeiro que acordava, pois saia cedo para
trabalhar. Foi que, em certa ocasião, o rapaz se deu conta de que
não havia queijo para seu sanduíche. E percebeu também que aquela
situação já tinha alguns dias. Para ele isso não era problema;
virava-se facilmente com margarina ou geleia. O alarme, portanto, não
vinha da barriga, mas da parte da consciência ligada ao sistema de
regras da casa. De mais a mais, provavelmente seria - pensava ele - um
lapso de organização ou algum detalhe de pouca relevância que logo
seria superado. Porém, passavam-se os dias e nada de queijo.
Ao pai
não faltava doçura. Mas também era um espanhol típico, teimoso e
zangado, que não demorava para começar a gritar. Nesse contexto,
as habilidades da mãe garantiam a ela um lugar muito estratégico na
família. Através da matriarca as relações se intermediavam. Era
um tipo de ministra de relações do pequeno cosmo familiar. Porém,
mesmo a ela o primogênito nada falou.
Mas não
tardou muito e o queijo reapareceu. Isso ele percebeu numa manhã,
enquanto preparava o sanduíche que levaria pro trabalho. E foi no
caminho que o mistério do queijo para ele se desfez, quando no rádio
do carro ouviu a notícia de que, naquela semana, a previdência
social estava pagando o décimo terceiro salário. E a revelação
deu-lhe tom de ouro ao silêncio que sobre o assunto por todo tempo
mantivera.