quarta-feira, outubro 08, 2014

Tem Serra no seu Genérico?


José Serra costuma se apresentar como autor da lei que criou os genéricos. Qual o verdadeiro significado disso?

Quem inventa um novo produto tem o direito de patenteá-lo, ou seja, registrar sua invenção em um órgão específico do Poder Público. Essa patente lhe confere o direito de exclusividade na produção e comercialização. Ou, ao invés de produzir, o dono da patente pode vender esse direito, cedendo a exclusividade a terceiros.

No Brasil, a patente é regulamentada pela Lei 9279/96, a Chamada Lei de Propriedade Industrial. A exclusividade decorrente da patente dura 20 anos. Findo esse prazo, a invenção cai em domínio público e qualquer pessoa ou empresa pode produzir o produto, sem precisar de autorização do inventor.

Isso tudo também se aplica à indústria farmacêutica. Dessa forma, toda vez que um novo medicamento é inventado, a indústria que o patentear terá direito de produzir com exclusividade, sem concorrência de ninguém. Com esse monopólio, o laboratório tem poder para cobrar preços altos por seus medicamentos.

A Lei dos Genéricos (Lei 9787/99) incide apenas nos medicamentos que, por terem sido patenteados há mais de 20 anos, perderam a exclusividade decorrente desse registro. Sua contribuição para redução dos preços decorre de regras que organizam a concorrência entre laboratórios fabricantes. Por exemplo, exige que os rótulo desses remédios sejam identificados apenas pelo princípio ativo do medicamento, tornando a marca ou nome da indústria um elemento secundário de distinção. Isso não é pouco, pois exime o médico de ter que escolher este ou aquele nome na hora de escrever a receita. Muito mais do que uma facilidade,  permite que, na farmácia, o paciente possa escolher livremente preços e laboratórios de sua preferência, o que não seria possível se a receita indicasse um remédio específico, caso em que o farmacêutico está proibido por lei de fazer qualquer substituição.

O preço cai porque, nesse cenário, após passarem pelo mesmo sistema de controle do Poder Público, todos os laboratórios, seja o grande e consagrado (geralmente uma multinacional), seja o pequeno e novo, disputam clientes em igualdade de condições.

Onde entra Serra nessa história?

A Lei dos Genéricos nasceu de um Projeto de Lei de 1991, ano em que Serra era deputado federal. Porém, o autor do Projeto é Eduardo Jorge, à época deputado federal pelo PT/SP. O Projeto somente virou Lei depois de oito anos de tramitação no Congresso Nacional, quando Serra estava licenciado do cargo de senador para exercer o de ministro da saúde. Juridicamente, sua única participação nesse processo foi assinar junto com o Presidente da República o ato de promulgação dessa Lei. No entanto, se o Presidente assinasse sozinho, a Lei teria a mesma validade; mas se Serra assinasse sozinho, a Lei não teria validade nenhuma.

É claro que a criação de uma lei não se resume à reunião de políticos a portas fechadas. As leis produzem consequências e os envolvidos tendem a participar desse processo, a fim de protegerem seus interesses, principalmente quando daí resultar efeitos econômicos. O fortíssimo lobby exercido constantemente pela bilionária indústria farmacêutica é um ótimo exemplo desse tipo de pressão. Daí se conclui que, muitos agentes, embora não tenham uma participação formal ou jurídica na elaboração das leis, podem ter significativa contribuição no processo legislativo, às vezes até maior do que a dos próprios políticos. Talvez esteja aí a contribuição de Serra. O problema é que ele nunca explica isso.

Questão relevante a ser considerada é que a Lei dos Genéricos e a Lei de Proteção à Propriedade Industrial foram promulgadas pelo mesmo governo e, de certa forma, a primeira dá com uma mão o que havia sido tirado com a outra.  Um dos motivos para o alto custo dos remédios é o monopólio de 20 anos que esta última confere ao inventor. A Lei dos Genéricos poderia acabar com essa regra. É evidente que isso, ao mesmo tempo em que reduziria o lucro das indústrias, poderia estimulá-las a desistir de produzir no país. A Lei dos Genéricos emplacou uma solução intermediária, limitando-se a facilitar a comercialização de medicamentos que já perderam a patente, medida que alguns países implementaram antes de nós e que já era recomendação da Organização Mundial de Saúde.


Portanto, Serra precisa explicar melhor sua paternidade, não só em relação à Lei dos Genéricos, mas também em relação à Lei de Proteção à Propriedade Industrial.