José Serra costuma se apresentar como autor da lei que criou
os genéricos. Qual o verdadeiro significado disso?
Quem inventa um novo produto tem o direito de patenteá-lo,
ou seja, registrar sua invenção em um órgão específico do Poder Público. Essa
patente lhe confere o direito de exclusividade na produção e comercialização. Ou,
ao invés de produzir, o dono da patente pode vender esse direito, cedendo a exclusividade a terceiros.
No Brasil, a patente é regulamentada pela Lei 9279/96, a
Chamada Lei de Propriedade Industrial. A exclusividade decorrente da patente
dura 20 anos. Findo esse prazo, a invenção cai em domínio público e qualquer
pessoa ou empresa pode produzir o produto, sem precisar de autorização do
inventor.
Isso tudo também se aplica à indústria farmacêutica. Dessa
forma, toda vez que um novo medicamento é inventado, a indústria que o
patentear terá direito de produzir com exclusividade, sem concorrência de
ninguém. Com esse monopólio, o laboratório tem poder para cobrar preços altos
por seus medicamentos.
A Lei dos Genéricos (Lei 9787/99) incide apenas nos
medicamentos que, por terem sido patenteados há mais de 20 anos, perderam a
exclusividade decorrente desse registro. Sua contribuição para redução dos
preços decorre de regras que organizam a concorrência entre laboratórios
fabricantes. Por exemplo, exige que os rótulo desses remédios sejam
identificados apenas pelo princípio ativo do medicamento, tornando a marca ou
nome da indústria um elemento secundário de distinção. Isso não é pouco, pois
exime o médico de ter que escolher este ou aquele nome na hora de escrever a
receita. Muito mais do que uma facilidade, permite que, na farmácia, o paciente possa
escolher livremente preços e laboratórios de sua preferência, o que não seria
possível se a receita indicasse um remédio específico, caso em que o farmacêutico
está proibido por lei de fazer qualquer substituição.
O preço cai porque, nesse cenário, após passarem pelo mesmo sistema de controle do Poder Público, todos os laboratórios, seja o grande
e consagrado (geralmente uma multinacional), seja o pequeno e novo, disputam clientes em igualdade de condições.
Onde entra Serra nessa história?
A Lei dos Genéricos nasceu de um Projeto de Lei de 1991, ano
em que Serra era deputado federal. Porém, o autor do Projeto é Eduardo
Jorge, à época deputado federal pelo PT/SP. O Projeto somente virou Lei depois de
oito anos de tramitação no Congresso Nacional, quando Serra estava licenciado
do cargo de senador para exercer o de ministro da saúde. Juridicamente, sua
única participação nesse processo foi assinar junto com o Presidente da
República o ato de promulgação dessa Lei. No entanto, se o
Presidente assinasse sozinho, a Lei teria a mesma validade; mas se Serra
assinasse sozinho, a Lei não teria validade nenhuma.
É claro que a criação de uma lei não se resume à reunião de
políticos a portas fechadas. As leis produzem consequências e os envolvidos
tendem a participar desse processo, a fim de protegerem seus interesses,
principalmente quando daí resultar efeitos econômicos. O fortíssimo lobby exercido constantemente pela bilionária
indústria farmacêutica é um ótimo exemplo desse tipo de pressão. Daí se conclui
que, muitos agentes, embora não tenham uma participação formal ou jurídica na
elaboração das leis, podem ter significativa contribuição no processo legislativo,
às vezes até maior do que a dos próprios políticos. Talvez esteja aí a
contribuição de Serra. O problema é que ele nunca explica isso.
Questão relevante a ser considerada é que a Lei dos
Genéricos e a Lei de Proteção à Propriedade Industrial foram promulgadas pelo
mesmo governo e, de certa forma, a primeira dá com uma mão o que havia sido tirado
com a outra. Um dos motivos para o alto
custo dos remédios é o monopólio de 20 anos que esta última confere ao
inventor. A Lei dos Genéricos poderia acabar com essa regra. É evidente que
isso, ao mesmo tempo em que reduziria o lucro das indústrias, poderia estimulá-las
a desistir de produzir no país. A Lei dos Genéricos emplacou uma solução
intermediária, limitando-se a facilitar a comercialização de medicamentos que
já perderam a patente, medida que alguns países implementaram antes de nós e
que já era recomendação da Organização Mundial de Saúde.
Portanto, Serra precisa explicar melhor sua paternidade, não
só em relação à Lei dos Genéricos, mas também em relação à Lei de Proteção à
Propriedade Industrial.