a corrida presidencial deste ano promete. ao menos para quem
aprecia o exótico. os três mais novos partidos brasileiros vão participar da
primeira eleição de suas histórias: o partido anarquista (pa), o partido minimalista
(pmini) e o partido niilista (pniil). o trio formará coligação de sugestivo
nome: zero.
para o cargo de presidente os zeros, como se autodenominam
os integrantes da coligação, apresentam o nome de fortunato damião severo. na
avaliação dos analistas políticos, além de ser um absoluto desconhecido da
opinião pública, o político encontra no próprio nome uma dificuldade adicional
de fazer emplacar sua candidatura. é um nome longo e anacrônico. não combina
com nenhuma tendência.
sobre este ponto, a coligação se diz tranquila, pois sua
equipe técnica já teria pronta uma estratégia que surpreenderá, e poderá, por
fim, representar o grande trunfo da campanha. embora os zeros nada tenham
antecipado, duas especulações, obtidas a partir de fontes próximas, ganharam
destaque: primeiro, agregar ao nome do candidato o título 'doutor', o que
contribuiria para afastar o estigma de despreparo que se costuma imputar a candidatos
sem histórico acadêmico. segundo, utilizar uma versão reduzida do nome, formado
por suas iniciais: fo, de fortunato; da, de damião; se, de severo. assim, segundo
essas especulações, a chapa zero será encabeçada pelo doutor foda-se.
cogita-se que outra grande dificuldade para o partido recaia
sobre o próprio programa de governo. ao menos à primeira vista, soa como algo
inédito, absurdo e inconveniente. porém, os zeros argumentam que facilmente
poderão convencer o público de que a verdade é justamente o oposto disso. 'nada
é obstáculo para aquilo que é coerente', diz um dos candidatos, 'e nenhum
partido ou coligação, em qualquer momento da história brasileira, jamais
apresentou uma proposta tão coerente', completa. ainda segundo ele, 'o eleitor
descobrirá que cada um de seus mais ardentes desejos é ponto visceral de pelo
menos um dos partidos da coligação e que se harmoniza com a proposta de todos
os outros'.
de fato, as poucas linhas que constituem o programa de
governo da coligação corroboram, ao menos na teoria, essa ideia. e o fazem de
forma impressionante.
referência fundamental de qualquer governo é saber se ele é
de esquerda ou de direita, diferença que costuma ser traduzida na célebre frase
'dar o peixe ou ensinar a pescar'. os dois lados concordam que é função do
estado ensinar a pescar. para a direita, a igualdade que existe entre os seres
humanos está presente do começo ao fim. para a esquerda, a igualdade é ponto de
chegada e há um momento em que além de ensinar a pescar, também é preciso dar o
peixe, para que o aluno não morra de fome antes que esteja pronto para a
pescaria.
portanto, a eliminação do estado, proposta fundamental dos
anarquistas, é também objetivo dos partidos de esquerda e de direita; a
diferença é que a direita quer isso como um ponto de partida, argumentando que
se todos são iguais, ninguém precisa de tutor (leia-se estado) e para a
esquerda a igualdade é ponto de chegada; uma vez alcançada, revelaria que o
programa de governo se esgotou, cumpriu seu desígnio, tornando por isso mesmo o
estado um ente desnecessário, pronto para ser eliminado. por essa lógica, no
fundo, dentro de cada ser humano habita um anarquista que aguarda o momento de
tomar o controle de seu destino.
para os niilistas, o fundamental é reconhecer a necessidade
de total mudança e que isso não é factível a partir de reformas; é preciso
excluir totalmente o modelo existente, eliminando tudo o que foi criado durante
sua vigência. nesse ponto é idêntico à proposta anarquista de destruição. a partir de um zero absoluto, parir uma nova
sociedade e um novo mundo. desse prisma, conclui-se que é indiferente se o
recomeço será feito a partir da esquerda, da direita, com o estado ou sem ele.
em síntese, para os niilistas, se algo deu errado, nada serve e tudo deve ser
substituído e isso é exatamente a única constante que se extrai dos comentários
formados pelo senso comum da generalidade dos eleitores.
a proposta de destruição, que identifica anarquistas e
niilistas, também é sustentada pelos minimalistas. no entanto, o pmini admite a
permanência de estruruas mínimas, desde que rigorosamente justificadas pela
necessidade, ideia que vale para qualquer estágio do governo, seja durante a
desconstrução, seja durante a (re)construção.
na prática, o programa de governo dos zeros se traduz em
pouquíssimos atos: revogação de todas as leis e eliminação de todas as
estruturas estatais (inclusive a polícia e a justiça). a lógica, a ética, a
política, enfim, todos os paradigmas que conduziram até então a espécie humana
serão substituídos por uma mão invisível, que poderá ou não ser a do mercado
(isto é irrelevante, pois o que deve prevalecer é a força que conseguir
predominar, com o que se comprovará indispensável).
sobre a viabilidade
dessa estratégia o plano nada aponta e, segundo os zeros, não há incoerência nisso:
se o processo se revelar um fracasso a humanidade tende a desaparecer. antes
desse extermínio, calculam eles, o gênio minimalista saberá indicar a hora de
parar. nesse momento, haverá pouco o que se salvar e isso facilitará a tarefa
de reconhecer o que, sendo fundamental e indispensável, deve ser preservado.
encerrada a destruição, a humanidade deverá optar entre
estagnação ou reconstrução. nesse momento, o predomínio dos minimalistas (estagnação)
ou dos niilistas (reconstrução) dependerá muito da avaliação do estágio
anterior: se a destruição atingiu apenas o que era dispensável, o mundo não tem
motivos para novos movimentos. porém, se houver falta de algo, fica evidente a
necessidade de reconstrução e, então, será a vez dos niilistas. nesse ponto, fica
claro porque a única concessão que cada partido fez a seu programa original é
exatamente igual à concessão feita pelos outros dois: os zeros, que querem
assumir o poder apenas para eliminar o estado (e tudo mais que existe),
concordam ser sensato que a reconstrução seja feita a partir de algo que já
existia (concessão niilista). também concordam que esse algo seja uma fração do
estado (concessão anarquista). finamente, há igual acordo de que não se pode
eliminar totalmente a esquerda ou a direita, ou seja, não se pode reconhecer
que apenas uma ala é indispensável (concessão minimalista), de modo que a única
estrutura a ser mantida deve atender as exigências dos dois lados.
por tais motivos, a proposta dos zeros é revogar todas as
leis e desmontar todas as estruturas, menos o ministério da pesca.
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